O Santo Sudário

O Sudário, tal como aparece a olho nu

Foto do Santo Sudário O Sudário de Turim - uma peça de linho que a tradição diz ser o lençol mortuário de Jesus - abriga pólens de plantas que só existem na região de Jerusalém e cuja data é anterior ao século 8 d.C. - podendo provir de épocas bem mais antigas. A informação foi divulgada, em agosto último, pelo botânico Avinoam Danin, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Ela derruba definitivamente a tese de que o Sudário seria uma falsificação produzida na Europa durante a Idade Média. Essa idéia, comunicada de maneira sensacionalista em 1988, baseava-se numa única prova: a datação da relíquia, realizada pelo método do carbono 14, que fixou como período de sua fabricação os anos compreendidos entre 1260 e 1390 d.C. A opinião pública embarcou nessa tese, sem atentar para os seguintes fatos:

1 - O Sudário já passou por milhares de testes.
2 - De todos os experimentos, só o do carbono 14 contestou a autenticidade da peça.
3 - Os especialistas se opuseram à utilização dessa técnica, devido à grande contaminação que o pano sofreu ao longo dos séculos.
4 - Harry Gove, o principal responsável pela datação, admitiu que a contaminação podia ter falseado os resultados do teste.

A idéia da falsificação está agora descartada. A existência dos pólens era conhecida pelos pesquisadores desde 1973, mas essa informação foi atropelada pelo rolo compressor do teste do carbono 14. Ela devolve ao estudo do Sudário a seriedade que o assunto merece. E chama a atenção para um "detalhe" que os autores da tese da falsificação se esqueceram de explicar: como foi produzida a imagem gravada no tecido?

A Síndone (outro nome pelo qual é conhecido o Sudário, derivado da palavra grega sindón, que significa lençol) apresenta uma imagem muito tênue e invertida. Ela é reinvertida e revela detalhes espantosos, quando observada no negativo fotográfico. Esse fato causou enorme surpresa ao advogado italiano Secondo Pia, que, em 1898, fez a primeira foto do lençol. Surpresa ainda maior ocorreria quase cem anos mais tarde, em 1974, quando se descobriu que a imagem comportava também uma informação tridimensional. Verificou-se que era possível relacionar de maneira rigorosa a intensidade das marcas produzidas no tecido com a distância que supostamente havia separado pontos do pano do corpo morto. Com base nisso, dois pesquisadores americanos, John Jackson e Eric Jumper, utilizando um computador da Nasa, fizeram, em 1978, uma reconstituição volumétrica integral do corpo. Não se conhece nenhuma imagem como essa. Para alguns, ela é uma prova da ressurreição de Jesus. Para outros, continua sendo um mistério insondável. A ciência ainda está longe de explicá-lo. Mas já lançou muita luz sobre ele, como se verá nas páginas a seguir.

O Homem
Marcas do açoite e da crucificação

Imagem do rosto de Jesus no sudárioO lençol apresenta uma imagem dupla, ventral e dorsal, de um homem nu, em tamanho natural. Os pesquisadores americanos Kenneth Stevenson e Gary Habermas calculam que ele tinha entre 30 e 35 anos, aproximadamente 1,80 m de altura e 79 kg de peso.

"Era um homem musculoso, habituado ao trabalho manual", afirmam. Dale Stewart, do Museu Smithsoniano de História Natural, dos Estados Unidos, diz que a barba, o cabelo e os traços faciais são característicos do grupo racial semita.

Cabelos trançados
O historiador inglês Ian Wilson foi o primeiro a chamar a atenção para o formato da longa mecha de cabelo que cai sobre o meio das costas. Ela assemelha-se muito a uma trança desmanchada. Trançar os cabelos atrás do pescoço era uma moda comum entre os homens judeus do tempo de Jesus. As numerosas marcas de ferimentos que aparecem no homem do Sudário revelam que ele foi brutalmente açoitado, coroado com espinhos, crucificado e perfurado com lança do lado direito do tórax. Pierre Barbet, cirurgião do hospital Saint-Joseph, de Paris, e outros especialistas em anatomia e medicina legal antes e depois dele estudaram exaustivamente essas marcas. E concluíram que elas correspondem, nos mínimos detalhes, às narrativas sobre a flagelação, morte e sepultamento de Jesus que aparecem nos Evangelhos. E que acrescentam informações desconhecidas pela tradição cristã, mas confirmadas pela recente pesquisa histórica e arqueológica - como o fato de o crucificado ter sido pregado à barra horizontal da cruz pelos pulsos e não pelos meios das mãos. É impossível acreditar que falsificadores medievais pudessem saber de tudo isso. Além de dominar uma técnica de impressão sem paralelos na história, eles precisariam ter conhecimentos de arqueologia, história, anatomia e fisiologia que só se tornaram disponíveis no século 20.

A idéia de que os homens do passado seriam muito baixos baseia-se nas dimensões das armaduras medievais. Mas não leva em conta que estas geralmente pertenciam a jovens pagens e não a cavaleiros adultos. A altura média dos judeus adultos do século 1 era de 1,77 ou 1,78 m.

A imagem dramática que aparece no negativo fotográfico
Entre 1978 e 1981, um grupo internacional de cientistas do mais alto nível, reunidos no Projeto de Pesquisa do Sudário de Turim, dedicou, em conjunto, quase 150 mil horas de trabalho à análise do lençol mortuário. E chegou à conclusão de que a figura que nele aparece não é uma representação, mas uma imagem misteriosamente produzida pelo corpo que ele envolveu. Este apresenta uma grande quantidade de feridas, com uma precisão de detalhes simplesmente espantosa. É o caso, por exemplo, dos halos formados em torno das manchas de sangue, decorrentes da separação entre a parte sólida e o soro. Segundo os pesquisadores do projeto, o corpo exibe sinais indiscutíveis de morte e rigidez, mas nenhum indício de decomposição - informação que foi interpretada por muitos como uma das provas da ressurreição.

Ferimentos causados pelos açoites nas costas; gotas de sangue provocadas por perfurações na cabeça; ferida decorrente do transpassamento do pulso esquerdo; rastros do sangue que escorreu pelos antebraços durante a crucifixão; ferida causada por transpassamento no lado direito do tórax; rastro do sangue que escorreu da ferida do tórax; mancha de sangue resultante do transpassamento dos pés; contusão produzida pelo transporte da barra horizontal da cruz (círculos nas costas).

O Pano
Fibras que não existiram na Europa
A reconstituição volumétrica do rosto do Sudário, feita por computador O Sudário é uma peça contínua de puro linho, com 4,36 m de comprimento, 1,10 m de largura e 0,34 mm de espessura. O pano, produzido em tear manual, é muito rústico. E as técnicas de fiação e tecelagem nele utilizadas eram amplamente difundidas no Oriente Médio, na época de Jesus, tendo sido encontrados vários similares. A celulose das fibras apresenta-se degradada. E o tecido, originalmente branco-marfim, exibe uma coloração amarelo-palha, por efeito de oxidação. Além do linho, a Síndone contém vestígios de fibras de um tipo de algodão do Oriente Médio, o Gossypium herbaceum. Isso leva a crer que o pano tenha sido tecido num tear previamente utilizado na confecção de peças de algodão. O que é mais um argumento a favor da origem oriental do Sudário, pois, como lembra John Tyrer, pesquisador do Instituto Têxtil de Manchester, Inglaterra, o algodão não era cultivado na Europa, durante a Idade Média.

A Impressão
A luz ofuscante que chamuscou o lençol
No esforço quase irracional de negar a autenticidade do Sudário, alguns estudiosos lançaram mão de todo tipo de hipótese para explicar a formação da imagem: pintura, compressão do tecido sobre o corpo de um cadáver untado com óleos, frotagem do linho sobre um baixo-relevo e até uma fotografia produzida em plena Idade Média. Nenhuma dessas idéias resistiu às análises científicas. As pesquisas mostraram que:

1 - A imagem não apresenta contornos nítidos, nem linhas que seguem direções preferenciais, como ocorre com todo o desenho, pintura ou frotagem;
2 - Apesar de o linho ser fino, a imagem é superficial e não aparece do outro lado do pano, ao contrário do que aconteceria com uma pintura, compressão ou frotagem;
3 - Não há vestígios de pigmentos, tintas ou vernizes, nem da difusão de líquidos através da trama do tecido (exceto nas marcas de sangue e nas manchas de água);
4 - A imagem não apresenta as deformações que seriam inevitáveis se o lençol tivesse sido comprimido sobre um cadáver (nesse caso, devido à tridimensionalidade do corpo, partes como o nariz, por exemplo, produziriam uma impressão bem mais larga do que o normal);
5 - A imagem dorsal não é mais intensa nem mais profunda do que a frontal, o que seria de se esperar no caso de uma impressão por contato; ambas têm características idênticas, como se, no instante da formação da figura, o corpo, deitado, apresentasse peso zero;
6 - O tratamento da imagem por computador produziu uma forma tridimensional proporcionada e sem distorções, o que jamais ocorre em casos de pintura ou fotografia.

O brilho emanou do corpo
Descartadas todas essas hipóteses, como explicar a impressão? Alguns cientistas sugerem que uma imagem como essa só poderia ser produzida se, numa fração de segundo, o corpo tivesse emitido um clarão equivalente ao da luz solar ou de uma explosão nuclear, como a da bomba de Hiroshima. Pela análise da figura, conclui-se que essa luz não foi refletida pelo corpo, como ocorre numa fotografia, mas emanou dele mesmo, chamuscando o pano.

As Moedas
Objetos do tempo de Pôncio Pilatos
A imagem tridimensional, produzida por computador, trouxe um argumento espetacular a favor da autenticidade do Sudário. Sobre as pálpebras do homem foram descobertos dois objetos arredondados, que não são visíveis a olho nu nem no negativo fotográfico. O pesquisador americano Francis Filas, da Universidade Loyola, de Chicago, identificou um dos artefatos: trata-se de uma moeda, o dilepton lituus, produzida na Palestina sob o governo de Pôncio Pilatos, entre os anos 29 e 32 d.C. O segundo objeto foi identificado pouco depois: uma outra moeda, cunhada por Pilatos em homenagem a Júlia, mãe do imperador romano Tibério, em 29 d.C. Colocar moedas sobre os olhos do morto, para manter as pálpebras fechadas, fazia parte dos ritos funerários judaicos da época de Jesus.

As marcas da agonia e do sepultamento
A morte na cruz era causada por lenta asfixia, provocada pela posição dos braços. A imagem do Sudário mostra que o homem se ergueu várias vezes para tomar ar. Visando acelerar a morte, era costume quebrar as pernas dos condenados, impedindo tal movimentação. Isso não ocorreu neste caso - o que concorda com o relato dos Evangelhos, segundo os quais nenhum de seus ossos foi quebrado.

A estocada de lança, que era um golpe de misericórdia, ocorreu quando o homem já se encontrava morto. O Sudário mostra que ela produziu um forte jato de hemácias (a parte vermelha do sangue), seguido de um fluxo de plasma (a parte clara) - prova de que grande quantidade de sangue se acumulou e decantou no pericárdio. Isso converge com a texto bíblico, que fala num jorro de "sangue e água".

A deposição da cruz também ficou registrada no pano de linho. Nas manchas de sangue existentes na região dos pés, percebe-se nitidamente as marcas dos dedos das mãos de uma das pessoas que sustentou o morto na descida do patíbulo. "Seriam os dedos do apóstolo João?", perguntam-se alguns estudiosos.

O sepultamento foi feito após uma preparação sumária do corpo. Se ele tivesse sido lavado, conforme o costume judaico, o sangue não haveria manchado o Sudário. Também aqui há uma convergência com a descrição bíblica, que sugere um apressamento dos ritos funerários, devido à aproximação do Shabat, o dia do repouso judaíco, que começa a ser contado a partir do crepúsculo da sexta-feira. A proximidade entre o queixo e o peito, na imagem formada na Síndone, deve-se ao fato da cabeça do morto ter sido apoiada sobre um suporte. Embaixo, o corpo envolto no lençol. E o Sudário - sem o seu conteúdo - encontrado pelos discípulos.