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A rua das tr�s meninas

Estava na "Rua das Tr�s Meninas", como popularmente chamavam aquele beco. Deviam ser oito da noite, mas o rel�gio insistia em assinalar nove e meia. Encostei me num poste apagado. Ajeitei-me entre as sombras, procurando uma maneira de me tornar invis�vel. Quando consegui, calei. Fiz um sil�ncio profundo, um vazio de tumba secular. Possivelmente meu cora��o tenha cessado naquele momento. Ent�o, o mais dif�cil: esperar.

Sempre compreendi a mente dos assassinos. O sorriso s�dico escondido atr�s de uma m�scara, o ansioso segundo que precede o grito, a paz que o sil�ncio eterno traz. Justificativas, impulsos e prazer. Todos t�m um assassino dentro de si, embora nem todos tenham coragem de libert�-lo. Eu o fiz. Por�m, quando meu assassino interior viu seu rosto refletido no meu, deixou-me no ch�o do banheiro, a faca que usara, ainda ensang�entada, posta ao meu lado. Nunca mais voltou, por mais que eu quisesse. Compreendia os assassinos, e o medo que cada um deles sentia de si mesmo.

A noite precipitara sobre os telhados um pouco mais. Avistei uma estrela agonizante debatendo-se em v�o contra a chuva que come�ava. Um homem dobrou a esquina. Seus passos confessavam a pressa que o pavor provoca. Aquela rua era evitada por quase todos, mesmo durante o dia. Ali, poucos anos atr�s, tr�s meninas que haviam se perdido de uma excurs�o escolar foram brutalmente assassinadas. Os supl�cios sofridos por elas e as lendas que foram contadas em torno disso fizeram daquela quase que uma rua deserta. Por isso, causou-me surpresa ver aquela figura solit�ria, principalmente pela hora avan�ada.

O homem parou. Encostando-se na parede, aproveitou para tomar f�lego. Claramente fugia de algu�m. Por�m, como eu descobrira pouco tempo antes, n�o h� aonde ir quando se foge de si mesmo. Era essa a minha dor, era esse o motivo de eu estar ali. Vi uma mancha escorrer pela parede branca quando ele dela se afastou: sangue. Saltei de meu esconderijo de trevas. Era o momento que eu esperava. A palidez de seu rosto ao me ver destacou-o da escurid�o. Aparentava pouco mais de quarenta anos. Era magro, e vestia uma camisa imunda e cal�as j� muito velhas. O susto inicial transformou-se em pavor quando comecei a caminhar na dire��o dele. Teria corrido na dire��o oposta a que eu vinha, mas a lembran�a daquilo de que fugia ainda estava recente. Ao me aproximar, vi que o branco original da camisa que ele vestia havia sido quase que totalmente consumido pelo vermelho de um sangue ainda pulsante. Quase me esquecera de como sangue combinava bem com aquela rua.

Cumprimentei-o, mas minha voz foi dilu�da pelo ru�do da chuva que aumentava. Num impulso, o homem saltou de onde estava e me derrubou. Jogando-se sobre mim, demonstrava for�a muito maior do que seu tipo aparentava. Atingiu-me diversas vezes no rosto e cabe�a. Sentia-me sufocado pelo meu pr�prio sangue, quando o homem parou subitamente. Apoiou-se contra a parede, e lan�ou no ar um gemido que me pareceu um misto de dor e desespero. Quando se encontrou sentado, come�ou a chorar. Dizia coisas desconexas, e mais me pareceu uma crian�a perdida. Ent�o, vendo-o chorar, lembrei-me daquelas tr�s meninas.

Eram belas, e nada pareciam com aquele idiota que estava na minha frente. Tinham um frescor incompar�vel, eram doces e singelas. Mas o choro era id�ntico ao que eu ouvia agora. Como naquele dia, nada me interessava a n�o ser nunca mais ouvir aquele som. Ergui-me na chuva, e caminhei at� meu oponente desconhecido. Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, agarrei-o pelo pesco�o, como fizera com a segunda menina. Apertei com for�a, mas percebi que precisei de muito mais for�a do que naquele dia.

Sa� aquela noite convicto de que nunca mais retornaria para minha casa. Entretanto, fui algoz daquele que deveria ter me libertado de minha pris�o carnal. Talvez tenha sido a lembran�a, o choro, a camisa dele suja de sangue. N�o sei se me redimi ou pequei novamente naquela noite. S� sei que ap�s acordar de uma noite sono tranq�ilo como h� muito eu n�o tinha, li no jornal a estranha not�cia de um homem encontrado morto na "Rua das Tr�s Meninas". Ele fora estrangulado momentos ap�s estuprar e esquartejar a pr�pria filha.

por ANDREAS DE OLIVEIRA

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